POEMAS EM PROSA

15-11-2013 14:18

JUNTO AO RIO...

E junto ao rio, à sua margem, de um lado e de outro, nascerá árvore que dá fruto para se comer... (Ezequiel 47:12)

O sol mergulha seus raios tingindo as águas no remanso do rio que corre sem pressa deixando para trás suas correntezas e redemoinhos. Sem pressa, mas incansável.
O astro rei acompanha as águas nas margens beijando os ingás que tombam seus galhos oferecendo-se aos peixes que no entardecer empanturram-se no alimento farto.
A chalana passa devagar, mansamente formando pequenas ondas quase invisíveis para não atrapalhar a paisagem. Aqui o salto mortal de um peixe incauto abocanhado pela garça veloz, ali um jacaré se recolhe sorrateiramente assustado, acolá um bando de borboletas se agrupam alojando-se para esperar a noite que não tarda.
É a natureza repetindo-se. A noite chega para a alegria de muitos insetos e animais de hábitos noturnos que se aproximam das margens cumprindo seu papel na cadeia alimentar. Na chalana alguns dormem acotovelando-se nas redes empoeiradas e rotas. Outros cantarolam baixinho para ninar as crianças movimentando um pequeno galho no improviso de um leque para espantar os mosquitos.
O calor intenso deixa a noite modorrenta. Um papagaio com seu beijo de boa noite mordisca a orelha do garotinho que indiferente às leis ambientais o tem como seu brinquedo. A viagem continua. O silêncio só é quebrado pelo piar de algum animal ou pelo som tonitruante de alguns que exageraram no calmante do álcool. Só o timoneiro não dorme. Atento movimenta vagarosamente o leme com a responsabilidade no seu melhor dia de comandante da aeronave que vê nos seus devaneios.

 

AVENCAS

Primavera com gosto de infância

 

 

O dia se espreguiça, acordando devagar. No terreiro, o balé das galinhas reverencia numa ruidosa algazarra o galo campina que, quando canta, muda de cor levantando a crista vermelha como fogo. A revoada de maritacas colore de verde-amarelo o azul anil do céu claro. Assim começa mais um espetáculo que a natureza apresenta todo dia, indiferente se há ou não público para aplaudir.

No quintal, o velho poço ainda fornece água para banhar a pequena horta. O sarilho geme enrolando a corda que traz a caçamba, sem pressa, num ritmo cadenciado, cantarolando enquanto faz seu trabalho. O calor, a luminosidade indireta e a constante umidade fazem brotar nas encostas dos barrancos as lindas avencas que se deliciam banhadas pelos respingos do vai e vem da caçamba.

As avencas são lindas, frágeis e de variadas espécies, admiradas como plantas ornamentais. As miudinhas são chamadas cabelo de anjo e carregam a fama de espantar mau-olhado. Outras são usadas na medicina como chás ou compressas.

Para mim elas representam a delicadeza e, a doçura, e me provocam uma sensação deliciosa, um fascínio que não consigo entender e, na impossibilidade de cultivá-las, pois o ambiente em que vivo não é propício (somente o lirismo de Chico consegue vê-las crescendo na caatinga) debruço-me na borda do poço para admirá-las.

Imagino a sensação que teria se pudesse tocá-las, acariciá-las como se Sininho fosse, mas me contento em observar minha imagem refletida no fundo do velho e cansado poço, sentindo em meu rosto no espelho d’água o respingar das gotinhas que elas me atiram balançando seus frágeis galhinhos. Divirto-me com as caretas provocadas pelas ondas formadas e ali me esqueço do tempo. Com o sol, alto volto à realidade com a certeza que na minha vida sempre será primavera.