Decifrando o futuro

16-06-2016 14:49

Exercício proposto a aprtir do estudo de "A Biblioteca de Babel", de Jorge Luís Borges.

 

Seu mundo eram os grandes vales, mas principalmente as altíssimas montanhas verdejantes, cujas encostas acolhiam plantações fincadas nos desvios do solo, chamados terraços, que, vistos ao longe, assemelhava-se a degraus de uma gigantesca escada, onde era cultivada uma variedade de grãos, uma das grandes riquezas daquele povo. Permeados por rios e cachoeiras, os bosques mais altos do mundo espelhavam a Via-Láctea, deusa na terra.

Uma linda menina, roupas coloridas confeccionadas com pelos de lhama tingidos, grandes tranças negras como a noite amarradas com lindos laços que as prendiam na altura da cintura, observava o espetáculo que a natureza lhe oferecia. Sentada num pequeno degrau, a pequena inca meditava. Cerrou os olhos e entrou num mundo tão mágico, assustador e indecifrável, quanto fantástico. Um mundo que ela não sonhara ver um dia.

 O anfiteatro em que acontecia a festa para o Rei-Sol era todo espelhado e riscado com formas geométricas semelhantes a um estranho caleidoscópio, cuja forma se modificava a cada movimento que fazia.

A lateral do templo refletia imagens que a menina não reconhecia, embora conhecesse os maravilhosos trabalhos da perfeita arquitetura de seu povo. O piso era todo tracejado com figuras incríveis de animais disformes que se amalgamavam em formas às vezes assustadoras, às vezes de uma doçura ímpar. Essas figuras se multiplicavam ao infinito pelo efeito dos espelhos que se elevavam até o teto.

Maravilhada, e ao mesmo tempo confusa com traços que não entendia: ainda não conhecia a escrita de seu povo, cujos registros eram feitos com cordões de lã que traduziam mensagens, denominadas quipos.

Outra coisa que não entendia era por que os animais, jaguar e condor, cultuados pelos incas, eram ali substituídos por tantos outros, de vários tamanhos e cores. Borboletas gigantes, cavalos brancos, cães, além de outros animais, ora listrados, ora com pescoço comprido; enormes animais de bicos estranhos rodopiavam numa dança frenética, ampliada pelos espelhos que se perdiam para o alto.

Mais intrigada ficou quando percebeu ser ali o único humano: apenas seu rosto girava naquela dança. Não haveria nesse mundo outros seres semelhantes a ela? O que significavam todos aqueles arabescos?

De repente, sentiu-se envolvida por uma luz que clareava tudo. Nela via a deusa Lua, protetora das mulheres. Reagiu às emoções e conseguiu perguntar, com voz trêmula:

— O que aconteceu? Onde mergulhei meus pensamentos? Que mundo estranho é este?

— Calma, menina! Isso acontece com pessoas que possuem certos dons. Você mergulhou no futuro. Por enquanto não lhe foi dada a oportunidade de ver seres humanos. Não se preocupe: eles sempre serão iguais a você. Aqueles arabescos chamam-se numerais. Os estudiosos entendem que a numerologia decifra e influencia a vida dos seres em sua caminhada. Decifre o número e você saberá. Ele está contido nas figuras do templo. Concentre-se nos hexágonos e você o achará.

 

Ao concentrar-se na área do hexágono, você encontrou o número. O nove significa o final de um ciclo e começo de outro; é a busca da perfeição até a plenitude espiritual. Isto quer dizer que a vida continua e há um eterno recomeçar. A morte não existe. O Espírito vive.

A menina silenciou e chorou.